Foto: Reprodução / Twitter de Nicolás Maduro
Neste começo de 2022, a ditadura venezuelana tem mantido em prática um dos mecanismos que usa, segundo acusam organismos internacionais, para exercer controle social. Só na primeira quinzena de janeiro a ONG Control Ciudadano contabilizou 27 das chamadas execuções extrajudiciais.
Entre 2016 e 2021 somam-se 9.211 casos desses assassinatos, frequentemente levados a cabo pelas Faes (Forças de Ações Especiais, um grupo de elite da polícia) e pelo Conas (Comando Nacional Antiextorsão e Sequestro, vinculado à Guarda Nacional Bolivariana). Segundo a Comissão das Nações Unidas para os Direitos Humanos e ONGs venezuelanas, a maioria dessas execuções ocorre em bairros mais pobres das grandes cidades e no interior.
"Trata-se de uma prática comum e frequente nessas regiões, para exercer controle social, conter protestos e impedir a adesão dessas pessoas a convocatórias feitas pela oposição", afirma à Folha Simón Gómez, pesquisador de direitos humanos da Universidade de Carabobo.
Levantamento da Cofavic, organização que acompanha o tema há três décadas, indica que 99% das vítimas são homens de regiões de maior vulnerabilidade social, 80% deles com menos de 25 anos. Segundo o grupo, em 80% dos casos há algum tipo de ameaça ou intimidação posterior a quem denuncia o crime.
"Nessas zonas também vivem familiares de ex-integrantes de coletivos [força parapolicial] mortos em ação, gente que perdeu parentes tanto na resistência ao regime como em embates com manifestantes", aponta Gómez. "São pessoas que o regime entende que têm de ser controladas porque guardam ressentimentos."
Relatórios das ONGs dão conta de que as ações dessas forças de segurança do ditador Nicolás Maduro são, muitas vezes, maquiadas com encenações. É comum, por exemplo, que os agentes finjam uma discussão aos gritos com aqueles que estão perseguindo ou simulem trocas de tiros, para que os vizinhos imaginem que houve um confronto.
"Na verdade, todos sabem que é uma execução, porque o padrão se repete há anos. Entram nas casas, torturam e ameaçam familiares e executam a vítima que, naquele dia, é o alvo. [As simulações] são táticas para impedir que se façam denúncias desses abusos", conta à Folha Thairi Mora, do Centro de Direitos Humanos da Universidade Católica Andrés Bello.
As acusações apontam que a prática se intensificou a partir de 2015. Naquele ano, com o embalo dos protestos de 2014, a prisão de Leopoldo López e a vitória da oposição na eleição legislativa, os protestos de rua vinham em ascensão. Eles assim seguiram até 2017, com a indicação da Assembleia Nacional Constituinte, manobra do regime chavista para esvaziar o poder do Legislativo opositor.
"Nesse período, as grandes manifestações em Caracas começavam na região leste da cidade [áreas de classe média e alta], mas também se iniciou um processo de adesão de setores descontentes nas chamadas áreas 'rojas' [vermelhas, ou seja, populares e tradicionalmente chavistas]", lembra Gómez. "A preocupação de controle social desse cidadão médio, mais pobre, dependente de cestas básicas, em geral negro e pardo, passou a ser importante para o regime."
Daí, aponta o pesquisador, a razão para essas forças ligadas aos órgãos de segurança da ditadura começarem a atuar nesses locais --para impedir que engrossassem esse processo.
O fenômeno se repetiu em outras regiões do país, como em Barquisimeto, cidade em que a população universitária é grande e aderiu em grande volume ao movimento La Resistencia, criado por jovens de Caracas em 2014 e cuja maior atividade ocorreu em 2017, durante a eleição da Assembleia Constituinte.
"Constatamos um aumento das execuções extrajudiciais de novo em 2019, com o surgimento do projeto de Juan Guaidó para assumir a Presidência interina e grandes protestos de rua. As Faes e o Conas atuaram com força para impedir a participação da população mais pobre", afirma Gómez.
Para Thairi Mora, a relação que os agentes mantêm nessas comunidades é dúbia. "É preciso pensar que são venezuelanos de poucos recursos, uma cesta básica faz muita diferença. Então esse é o primeiro recurso para mantê-los fora de protestos, distribuir comida. Depois, vem a ameaça da insegurança. A criação dessas forças foi comemorada por muitos habitantes dessas regiões, que viam sua segurança em risco pois eram assaltados o tempo todo", diz.
Se num primeiro momento a criação das Faes e do Conas foi celebrada, ela relata, parte das pessoas depois percebeu a opressão e se rebelou. "Então começaram a aumentar os assassinatos."
Os relatórios das ONGs destacam ainda que os membros dessas forças não aparecem simplesmente nesses bairros, mas vivem neles. "Eles passam a integrar a comunidade e, com isso, têm completo conhecimento das atividades, da rotina e das ações daqueles que se rebelam", afirma Gómez. "[Os agentes] são um recurso completamente irregular do regime, que impõe a vigilância e a tortura, além da execução, entre os instrumentos de controle social voltados ao homem pobre, pardo ou negro venezuelano."
A alta comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, pediu a extinção das Faes em seu relatório. A ONG Human Rights Watch, em seu informe mais recente, reforçou que as execuções extrajudiciais na Venezuela focam vítimas de poucos recursos, em bairros populares de zonas urbanas. Também aponta para a impunidade: apenas 7% de casos do tipo que foram denunciados tiveram uma investigação iniciada --ainda assim inconclusa--, e apenas um integrante dessas forças foi levado a julgamento como réu. Não há, até aqui, sentença ou absolvição.
A ditadura, presumivelmente, nega a acusação de que suas forças patrocinem execuções extrajudiciais. Maduro justificou a criação dessas corporações para o combate ao crime e nunca admitiu violações de direitos humanos. Jorge Arreaza, chanceler do regime, classificou o documento da ONU de "sinalizações carentes de mínima sustentação, feitas a partir de matriz midiática sem contato com a realidade do país".
Do Portal Bahia Notícias/por Sylvia Colombo | Folhapress
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