Jair Bolsonaro classificou a Covid-19 de "gripezinha". Para o presidente chileno, Sebastián Piñera, ela é o "inimigo comum". Já o peruano Martín Vizcarra afirmou que "o importante é cuidar do ser humano", enquanto o mexicano Andrés Manuel López Obrador pediu, num primeiro momento, beijos e abraços contra o coronavírus.
Apesar das diferentes opiniões de seus presidentes sobre a pandemia --e das estratégias adotadas--, os quatro países enfrentam agora uma disparada no número de casos confirmados da doença.
A situação fez o diretor-executivo da OMS (Organização Mundial da Saúde), Michael Ryan, afirmar nesta sexta-feira (22) que a América Latina é o novo epicentro da pandemia no mundo.
Mas o cenário não é igual em toda a região. Na quinta (21), Paraguai e Uruguai registraram apenas três novas infecções cada um, enquanto Brasil, Chile, Peru e México estão entre os dez países no mundo com mais casos novos diários.
A diferença nos números na América Latina chama a atenção especialmente porque as estratégias adotadas por cada país têm variado muito --na Europa, as nações tomaram medidas semelhantes entre si.
No Brasil, Bolsonaro minimiza os efeitos do vírus desde o início da pandemia e deixa para estados e municípios a tarefa de impor as medidas sanitárias e de isolamento.
O presidente mexicano, López Obrador, também minimizou a gravidade da situação, mas o aumento de casos o obrigou a mudar de postura. Passou a dar mais espaço a seu secretário de Saúde (equivalente ao ministro), Hugo López-Gatell, que impôs ações de distanciamento social.
O país também tem adotado medidas regionalizadas, mas, ao contrário do Brasil, elas são coordenadas pelo governo central, e não pelas autoridades locais. Ainda que sob uma nuvem de dúvidas sobre os dados oficiais, a gestão de López Obrador investe em campanhas de distanciamento social e tenta corrigir o rumo após uma largada tortuosa no combate à Covid-19.
Já a Argentina --que, como Brasil e México, adota uma estrutura federalista-- decretou em 19 de março um "lockdown" em todo o país e conseguiu impedir uma explosão no número de casos.
"Alguns países levaram mais a sério a resposta à pandemia. A Argentina tomou medidas para organizar uma ação nacional e enfatizar as medidas de isolamento", afirma o médico sanitarista Adriano Massuda, professor da FGV-SP.
Após mais de 80 dias em casa, porém, os argentinos começam a dar mostras que estão cansados das regras de isolamento e pressionam o governo por uma reabertura mais ampla, segundo Sebastián Tobar, pesquisador de relações internacionais da Fiocruz.
Desde terça (19) o país bate recordes de novos casos --foram 648 só na quinta.
Para Tobar, as nações que têm conseguido conter a disseminação da Covid-19 possuem realidades muito particulares. "Paraguai e Uruguai são pequenos, com populações menores do que a de alguns estados brasileiros", afirma.
Além disso, o Uruguai tem a maior quantidade de médicos em relação à população na América do Sul, segundo a OMS; o Paraguai foi o primeiro país da região a decretar o "lockdown" e a fechar suas fronteiras, em 10 de março.
O Peru adotou a quarentena obrigatória cinco dias depois do Paraguai, mas não foi bem sucedido porque carrega problemas anteriores.
"É um país que vem de uma crise política, econômica e social, com um corte nos investimentos. A infraestrutura de saúde é muito baixa, o país todo tem pouco mais de 800 leitos de UTI. A taxa de leitos em UTI por 100 mil habitantes é de 2,64", diz o pesquisador.
Para efeito de comparação, o índice do Brasil no quesito, em dado de março, é 22, segundo a Associação de Medicina Intensiva Brasileira. A OMS recomenda que essa taxa esteja entre 10 e 30.
O Chile não adotou um "lockdown" nacional, mas impôs a medida, em 26 de março, em alguns bairros de Santiago. Com um salto no número de casos, 50 dias depois ampliou a regra para toda a região metropolitana da capital.
"As autoridades confiaram que a situação tinha melhorado e flexibilizaram a quarentena. Com isso, o número de casos aumentou, e o sistema de saúde está saturado", diz Tobar. Além disso, Piñera tem enfrentado protestos contra a falta de trabalho e de comida.
Os atos chamam a atenção para a desigualdade na região, outro ponto que tem atrapalhado a resposta ao coronavírus, segundo Joan Costa-Font, professor do departamento de saúde pública da London School of Economics.
"A pandemia tem afetado os mais pobres e as minorias étnicas de maneira mais intensa", diz. "Enquanto indivíduos ricos podem trabalhar de casa ou permanecer em casa, os mais pobres não podem. E há ainda a questão da informalidade, grande na região."
Para Jarbas Barbosa, subdiretor da Organização Pan-Americana da Saúde, diversos aspectos sociais dificultam que toda a população latino-americana siga medidas de distanciamento social --o nível de isolamento na região tem ficado abaixo do europeu.
"A desigualdade social, o peso da economia informal, a ausência de medidas efetivas de proteção social para aliviar o impacto econômico e social podem ter contribuído para a adesão menor", resume ele.
Do Portal Bahia Notícias/por Bruno Benevides | Folhapress