Não é novidade que recursos públicos surrupiados por intermédio de obras superfaturadas, empresas de fachada e outras modalidades de corrupção acabem abastecendo o chamado caixa 2 das campanhas políticas. Essa é uma prática condenável e recorrente no Brasil.
Agora, o que a Operação Lava Jato descobriu é que PT, PMDB, PP e PTB usaram a contabilidade oficial, o caixa 1 das campanhas eleitorais, para receber milhões de reais desviados da Petrobras. Para chegar a essa conclusão, os delegados e procuradores que participam das investigações tomaram conhecimento de centenas de movimentações bancárias no Brasil e no exterior, analisaram documentos que veem sendo apreendidos desde março e ouviram os depoimentos de empreiteiros, ex-diretores e ex-funcionários da estatal.
“Estamos diante de um crime gravíssimo, que transforma os partidos políticos em autênticas lavanderias de dinheiro ilegal”, disse à ISTOÉ, na tarde da terça-feira 18, uma das autoridades com acesso a toda investigação. “A situação (investigação) coloca em xeque inclusive as doações eleitorais legalmente registradas, que podem indicar uma forma estruturada de lavagem de dinheiro”, atesta um relatório analítico da Polícia Federal, elaborado pela Delegacia de Repressão a Crimes Financeiros ao qual ISTOÉ teve acesso. Com essa descoberta, a Operação Lava Jato irá abrir mais uma frente de investigação e promover uma devassa nos cofres dos partidos envolvidos. É essa futura investigação a responsável por elevar às alturas a temperatura no Palácio do Planalto e no comando dos partidos aliados na última semana.
A força-tarefa montada pela Lava Jato tem como fazer uma apuração nas contas de campanhas muito mais aprofundada do que rotineiramente é feito pelo Tribunal Superior Eleitoral. De acordo com os delegados e procuradores, a estratégia de usar o cofre oficial dos partidos para colocar nas campanhas o dinheiro desviado de estatais teve início depois de revelado o escândalo do mensalão e ganhou força nas disputas eleitorais de 2010 e 2014. Os relatos feitos por diretores de empreiteiras presos na semana passada indicaram que as doações para as campanhas eram feitas diretamente pelos tesoureiros ou operadores dos partidos, que tinham acesso ao doleiro Alberto Youssef e a contas mantidas no exterior, particularmente na Suíça e na Holanda.
Os recursos eram sempre remetidos às legendas e nunca para candidatos pré-estabelecidos. Dessa forma fica mais difícil o rastreamento desse dinheiro. Às empreiteiras apenas era informado o valor que deveriam declarar como doação oficial a ser registrada no TSE. “O dinheiro do sobrepreço pago pela Petrobras já estava depositado em contas indicadas pelos operadores dos partidos e não tínhamos acesso a esses recursos. Eles apenas diziam quanto teríamos que declarar à Justiça Eleitoral”, disse aos delegados o diretor da divisão de engenharia da Galvão Engenharia, Erton Medeiros Fonseca, na tarde da segunda-feira 17. Discurso semelhante foi feito por Idelfonso Colares Filho, ex-diretor da Queiroz Galvão. No mesmo dia, Othon Zanoide de Morais, diretor da Vital Engenharia – empresa do grupo Queiroz Galvão –, repetiu a versão apresentada por Fonseca e Medeiros.
Os três também confirmaram doações feitas para o PT, PMDB e PP, através de João Vaccari Neto, o tesoureiro petista; Fernando Soares, que falava em nome do PMDB, e Youseff, que depois da morte do deputado José Janene passou a atuar pelo PP. Sobre o PTB, dois delegados afirmaram à ISTOÉ que a operação é semelhante, mas os nomes denunciados ainda são mantidos sob sigilo. Na quarta-feira 19, Ricardo Ribeiro Pessoa, presidente da UTC, também admitiu ter assumido o repasse oficial de recursos para PMDB, PP e PT.
Os depoimentos colhidos na última semana reforçam, segundo a PF, o que já fora dito em delação premiada pelo ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa e descrito em um relatório de análise da Delegacia Regional de Combate ao Crime Organizado a respeito das investigações promovidas sobre empresas do grupo OAS e suas relações com o doleiro Alberto Youssef. “A empresa abriga em seus quadros funcionários envolvidos com o desvio de recursos para enriquecimento ilícito próprio e pagamento de despesas com campanhas eleitorais de partidos políticos”, diz o documento. Há, ainda, documentos apreendidos pela Operação Lava Jato que, segundo os relatórios produzidos pela Polícia Federal, confirmam o uso do dinheiro desviado da Petrobras para alimentar o caixa oficial das campanhas. Na casa de Costa, a Polícia apreendeu uma agenda contendo uma planilha que relaciona o nome de empreiteiras, o contato dentro da empresa e, em uma terceira coluna, a situação da empresa.
No relatório redigido pela Delegacia de Repressão a Crimes Financeiros, que investigou a agenda do ex-diretor da Petrobras, os delegados concluem que: “Embora não seja possível precisar a qual campanha se refira o documento, é possível estabelecer que o grupo atuasse também ocultando repasse de valores por meio de doações legais de campanha”. Essa semana, parte dos policiais envolvidos na Operação começaram a fazer o confronto de rastreamentos bancários recebidos do exterior com as doações oficiais feitas para as campanhas políticas. É muito dinheiro para ser seguido (leia quadro na pág. 37). Desde o início da Operação, a PF e o Ministério Público têm monitorado as doações feitas por Camargo Corrêa, UTC e Mendes Júnior, dentre outras.
Se a devassa a ser promovida nos cofres partidários confirmarem as conclusões a que já chegaram os delegados e procuradores que comandam a Operação Lava Jato, legendas gigantes como PT e PMDB poderão, dentre outras coisas, perder o acesso aos milionários recursos do Fundo Partidário. Mais que isso, se as investigações forem concluídas até o fim do ano – o que delegados e procuradores consideram praticamente impossível – não se pode descartar a possibilidade de o TSE vir a impedir a diplomação da presidente reeleita. Por essa razão, o Palácio do Planalto não esconde a insatisfação com o ministro Dias Toffoli, presidente do TSE. Os principais líderes petistas sustentam que Toffoli nada fez para impedir que as contas da campanha da presidente Dilma Rousseff fossem examinadas pelo ministro Gilmar Mendes, tido como desafeto do PT.
O receio fez com que o Planalto estimulasse o Ministério Público Eleitoral para questionar a permanência de Mendes na fiscalização das finanças eleitorais do PT. A movimentação no TSE que tanto preocupa o Planalto teve início na quinta-feira 13, com o fim do mandato do ministro Henrique Neves. Era ele o relator do processo sobre as contas da campanha de Dilma Rousseff deste ano, mas deixou a Corte antes de iniciar a análise do caso. No mesmo dia, houve um novo sorteio de relator e Gilmar Mendes assumiu o processo. Horas depois de assumir como relator, o ministro determinou que sua assessoria examinasse as contas apresentadas pela campanha. A disposição de Mendes inicia uma nova fase da Justiça Eleitoral. Em anos anteriores, as contas dos candidatos eleitos eram analisadas por amostragem e em tempo curto demais, que duravam, no máximo, uma semana.
Pela lei, as contas devem ser analisadas até o dia 17 de dezembro do ano da eleição. Se irregularidades graves forem encontradas, os ministros podem impedir a diplomação do eleito no dia 18. Segundo técnicos da Corte ouvidos por ISTOÉ, tradicionalmente a análise da prestação de contas da campanha presidencial é feita tão rapidamente que inviabiliza a consolidação de provas sobre irregularidades que venham a ser encontradas. Em 2010, apesar do prazo curto, os técnicos detectaram irregularidades na prestação de contas da então candidata eleita Dilma Rousseff, como empresas doadoras abertas no ano eleitoral e pessoas físicas doando acima do limite permitido.
Na época, o ministro Marco Aurélio Mello ressaltou a falta de tempo para analisar as notas fiscais da campanha e sugeriu o adiamento da votação sobre as contas. Os ministros alegaram que poderia ocorrer instabilidade jurídica e decidiram aprová-las, apesar das ressalvas sobre as irregularidades. Agora, o temor dos petistas é que Mendes faça uma parceria com os delegados e procuradores da Operação Lava Jato e possa, assim, rapidamente esquadrinhar as entranhas da contabilidade eleitoral do partido. Na quinta-feira 20, o ministro pediu ajuda de técnicos do TCU, da Receita Federal e do Banco Central para analisar as contas de campanha de Dilma.
Este ano, Gilmar Mendes pretende evitar que a votação ocorra sem tempo para a devida análise pelos ministros do teor das prestações de contas. Por isso, colocou a própria equipe do gabinete para analisar quem são os doadores da campanha da presidente. De acordo com técnicos, a orientação do ministro é para que qualquer irregularidade seja detalhada e comprovada em pareceres consistentes, distribuídos aos ministros dias antes da votação em plenário. O ministro já admitiu que sua equipe vai se debruçar especialmente nas doações realizadas por empreiteiras envolvidas na Operação Lava Jato, que abasteceram as campanhas eleitorais. As empresas investigadas doaram R$ 60,4 milhões aos candidatos presidenciáveis na última eleição, sendo que R$ 47,8 milhões foram entregues para a campanha de Dilma.
A arrecadação da campanha da petista registra ainda que 20% do total recebido partiu diretamente das empreiteiras OAS e UTC Engenharia, que doaram R$ 20 milhões e R$ 5 milhões, respectivamente, e cujos dirigentes que autorizaram os repasses estão na cadeia. Independentemente de qualquer parceria com a Operação Lava Jato, a equipe de Gilmar Mendes se dedica a levantar os números das doações e os detalhes dos contratos que essas empresas ainda mantêm com o governo. Somente neste ano, R$ 2,3 bilhões estão previstos para serem repassados a essas construtoras. Em contrapartida, as doações realizadas pelas nove empresas investigadas somaram mais de R$ 218 milhões somente nesta eleição.
(Fonte: Revista Isto É).
Do Portal Interior da Bahia
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