No deserto vermelho, pedregoso e com árvores de folhas pequenas que se estende ao sul de Marrakech fica o epicentro do terremoto de magnitude 6.8 que matou mais de 2.100 pessoas no Marrocos.
Em direção à cadeia montanhosa do Alto Atlas, a estrada R203 vai aos poucos se estreitando, passando de uma pista dupla para uma via só, ainda que carros e motos continuem dividindo a mesma faixa ao irem e virem.
De repente, um vilarejo surge ao longe, parcialmente arrasado, com algumas casas como que se equilibrando nos escombros. Chama-se Azro, onde viviam apenas 150 pessoas. Duas morreram esmagadas por sua casa, um homem de 70 anos e seu filho. Agora o vilarejo está vazio.
Siomar Macod, 63, teve melhor sorte. Quebrou um braço na noite de sexta e, até a tarde deste domingo (10), continuava sem tratamento nenhum. Ele aponta, à distância: "Perto da mesquita caiu tudo."
Macod vivia com outros seis familiares quando o chão passou a tremer na noite de sexta. "Peguei duas crianças, uma em cada mão, e saí correndo pela porta", contou à Folha.
O tremor, apesar de ter durado menos de um minuto, foi tão forte que o derrubou em plena fuga e, para não soltar as crianças, ele caiu na terra batida em cima do braço esquerdo. Não havia luz fora das casas do lugarejo. "E as pessoas estavam dormindo, era tarde [23h11 no horário local]", recordou.
Macod tem quatro dentes e jamais viveu em lugar algum que não Azro. Agora, ele e seus 150 vizinhos moram em tendas improvisadas à beira da estrada, onde estimam que passarão os próximos meses.
Aldeias como essa, miseráveis e com menos de 300 habitantes pipocam pelas montanhas. Em cada uma morreram cinco, dez, quinze pessoas. Tornaram-se cidades-fantasma. A reportagem percorreu quatro delas neste domingo.
Na vila de M´Bark Makhchouni, foram cinco mortos. "Morava com minha mãe, irmã e três crianças", ele explicou. "Saímos da casa em segurança, mas, dez minutos depois, ela desabou."
Makhchouni trabalha com turismo. Fala árabe, francês, inglês, um pouco de espanhol e algumas palavras de português, pois costuma levar brasileiros às montanhas. Mas não sabe escrever em língua nenhuma. Makhchouni tem 60 anos e aparenta mais de 80.
A R203 segue, e uma placa de trânsito triangular traz o preocupante desenho de uma montanha com rochas caindo. Escarpas de pedra espremem os carros cada vez mais, de ambos os lados. Muitos são Mercedes sobreviventes dos anos 1980 e 1990. Alguns lideram comboios com um caixão com a bandeira do reino de Marrocos em cima, e a fila de carros segue com o pisca-alerta ligado.
O rei de Marrocos, Mohammed 6º, solicitou que uma comissão de serviços de socorro fornecesse cuidados, alojamento e alimentação aos seus súditos. Ele também ordenou que mesquitas em todo o país realizassem cerimônias fúnebres, conhecidas como orações Janazah, em memória dos mortos.
As orações são ouvidas por todos nas grandes cidades, uma vez que as mesquitas mais importantes possuem aparelhagem de som potente e com caixas acústicas viradas para fora, de forma a alcançar mesmo as pessoas que ficaram em suas casas.
Um comboio de dez caminhões do Exército marroquino, com cerca de 30 soldados cada um, impressiona e interrompe o tráfego. Um helicóptero pousa levantando poeira vermelha ao lado da estrada e um militar desce. O aparelho levanta voo.
Em Asni, representantes de 15 vilarejos da região se amontoam em volta de autoridades para deixarem seus nomes em um caderno de brochura. Eles receberão comida às 18h, dizem, e cada um deles levará a sua parte para a comunidade. Mas há centenas de pessoas em volta. Os oficiais não sabem o que fazer.
Hmaid não diz o sobrenome, mas conta que cerca de 200 pessoas morreram nessas aldeias. Em instantes, dezenas de pessoas circundam a reportagem, pois acreditam que o bloco de anotações do jornal pode ser outro caderno onde devem se inscrever.
Ali há pelo menos uma centena de barracas azuis montadas pelas equipes de socorro. A maioria dos homens usa a djellaba, tradicional veste marroquina. São largas, compridas e com mangas grandes, amarelas, brancas, azuis, bege. Os jovens não; esses vestem camisetas de times de futebol.
Em Moulay Brahim, o trabalho de resgate começou na véspera. Ali, famílias estão em um campo de futebol, onde um acampamento foi improvisado. Os bombeiros estão liderando os esforços de resgate no local, mas alguns edifícios são perigosos demais para as equipes entrarem.
Há jornalistas de várias nacionalidades na cidadezinha, mas poucos arriscam dizer o número de mortos. Para um morador ouvido pela reportagem, eles são 31.
Do Portal Bahia Notícias/Por Ivan Finotti | Folhapress/Foto: Reprodução / Youtube
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