O escritor Léo Motta vai levar para a Bienal do Livro a experiência de quem já passou noites nas ruas do Rio de Janeiro sem ter um teto para se abrigar e conseguiu superar as dificuldades. Esta é a terceira Bienal dele, que vai palestrar sobre como a cultura, em especial a literatura, o ajudou a cicatrizar uma série de feridas, como a dependência química.
“Eu vou com muito pé no chão e levando voz e vez das pessoas que ainda se encontram do lado de fora do portão. Eu vou usar essa uma hora que eu tenho para palestrar sobre a vida de um homem negro, morador de uma comunidade, estudante de escola pública, ex-morador de rua. Um dependente químico em recuperação. Há 6 anos, não uso drogas. Não estou nem um pouco arrependido disso”, disse Léo Motta.
A ideia é mostrar a realidade nas ruas em um espaço que é considerado por muitos como elitista. E mostrar que é possível contar a própria história.
Ele ressalta que deseja passar a mensagem de que a arte é capaz de transformar vidas e que todos podem escrever, literalmente, as páginas sobre a própria vida. O autor vai estar no estande da Secretaria Municipal de Cultura do Rio de Janeiro na Bienal do Livro nesta sexta-feira (8) a partir das 16h.
“Vou com o objetivo de levar a mensagem para uma sociedade. De que a história triste nunca vai impedir o final feliz. E ali, naquele cenário de literatura, onde eu me sinto bem, me sinto em casa. Porque a cultura me salvou”, afirmou.
Léo tem dois livros publicados: “Há Vida depois das marquises”, no qual ele conta como foi parar nas ruas e como saiu delas e “Há Vida depois das marquises – Sonhos”, em que fala do reencontro com o pai, aos 38 anos, e de paternidade responsável.
O escritor foi usuário de drogas por 20 anos. O quadro se agravou após perder um dos filhos. O estopim para sair de casa e viver nas calçadas, em 2016 foi sofrer uma overdose em casa, diante da mãe.
“E ali eu decidi não fazer mais aquela mulher sofrer. Fui morar nas ruas do Rio. Ali eu conheci o mal e o pior do ser humano. As duas piores humilhações que eu passei na rua, uma foi por fome e a outra por sede. Eu entrei em uma padaria com fome e pedi a uma senhora para me pagar um pão. Ela só virou e cuspiu no meu rosto. E entrei em um restaurante pedindo um copo de água. O segurança me colocou para fora e me deu um copo com água, com gelo e sal. Então a rua me feriu muito, a minha alma”.
Léo Motta passou seis meses como sem-teto e afirma que só conseguiu se reestruturar porque contou com apoio. E a literatura teve papel fundamental.
“Eu saí das ruas a partir do momento que eu aceito ser ajudado. De um lado está alguém para ajudar, do outro alguém para aceitar ser ajudado. Eu aceitei essa ajuda e fui para uma instituição que acolhe e reinsere as pessoas em situação de rua na sociedade. Eu passei 7 meses. Foram 20 anos de uso de drogas, 7 meses de tratamento e 6 meses morando nas ruas. E ali eu dou a volta por cima”, ressalta o escritor.
O autor vai dar uma palestra de cerca de uma hora. A ideia é mostrar os sem-teto de outra maneira.
“A gente está falando de uma população, que eu fiz parte, que muito sofre com preconceito e rótulos. Quando se pensa em população de rua, sempre se pensa em uma pessoa com papelão na mão, cobertor na outra, mas vai muito além disso. A gente mostra que há fome. Mas a fome, é de que? São diversos vazios, diversos fundos de poço, são diversas histórias, mas que todos ali anseiam pelo uma oportunidade”, encerrou Léo.
Do Portal NS/Por g1 Rio
Nenhum comentário:
Postar um comentário