Detalhes ainda não divulgados sobre a cobrança de impostos de importações online podem fazer com que o custo para o consumidor dobre de preço. Isso acontece, em primeiro lugar, porque passará a haver recolhimento de impostos quando a remessa é de pessoa física para pessoa física, seja qual o valor do produto -hoje, há isenção para valores de até US$ 50 nas transações entre pessoas físicas.
Além disso, se houver alteração também na sistemática de cobrança de tributos sobre produtos importados, pode ser que passem a ser recolhidos também impostos estaduais, elevando ainda mais o custo.
Hoje, a alíquota do imposto de importação simplificada é de 60%. Ela incide, por exemplos, sobre produtos comprados por uma pessoa física de uma empresa no exterior. Mas ela é cobrada em cima do valor total da compra, ou seja, entram no cálculo o preço do produto, o custo do frete e o seguro, se houver. A soma de tudo isso é o que a Receita considera como valor aduaneiro, e é sobre ela que incidem os 60%.
Por exemplo, se um consumidor faz por meio de um marketplace uma compra de um produto importado no valor de R$ 226,66 e o frete custa R$ 19,43, a Receita passará a cobrar imposto sobre o valor total, de R$ 246,06. O tributo ficará em R$ 147,65 (60% dos R$ 246,06), elevando o valor total da compra a R$ 393,71,
As encomendas também podem sofrer uma segunda tributação, que é a do ICMS (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços), cuja alíquota varia de um estado para outro. Em São Paulo, as compras importadas de até US$ 50 feitas por pessoas físicas são isentas do tributo estadual.
O governo ainda não explicou qual será a sistemática aplicada para as remessas entre pessoas físicas de até US$ 50. Se a gestão Lula 3 decidir por acabar com o regime simplificado de tributação (RTS), é possível que, além do imposto de importação, o consumidor seja afetado também pelo ICMS, avalia o advogado tributarista Eduardo Bonates.
"Dentro do RTS, que vai até US$ 3.000, há um segundo regime, que é a isenção do imposto de importação e de ICMS para mercadorias de até US$ 50. Para sabermos como ficará, precisamos saber se o governo vai apenas alterar as regras de isenção ou se vai alterar o RTS", diz.
A manutenção ou não do regime especial faz diferença porque é ela quem garante algumas isenções para essas trocas comerciais internacionais. Vem dele a isenção para a importação de livros e revistas e para medicamentos de até US$ 10 mil, além das remessas de até US$ 50 entre pessoas físicas.
O problema é que o comércio internacional de mercadorias cresceu a ponto de ficar inviável a diferenciação do que é enviado por pessoas daquilo que vem de empresas e para empresas.
Isso, sem considerar as fraudes -e é nessa tecla que entidades da indústria e do varejo têm batido, a de que os vendedores hospedados no grandes marketplaces internacionais simulam negócios entre pessoas físicas quando, na verdade, são operações comerciais comuns e, portanto, sujeitas a tributação.
Na avaliação de Bonates, diante da impossibilidade de diferenciar a origem dessas encomendas, o governo decidiu estender a tributação a todos, invertendo o fluxo de cobrança que é feito atualmente. Hoje, quando uma encomenda de qualquer valor é retida para o cálculo de imposto de importação, esse documento de arrecadação é emitido em nome do consumidor.
O Ministério da Fazenda tem defendido que a cobrança será feita antecipadamente, ou seja, o recolhimento seria feito pelas empresas. Uma compra feita de uma empresa na China já sairia de lá com o imposto de importação (e o ICMS, se houver) calculado.
O consumidor vai pagar no preço final da mesma forma, mas a cobrança será feita às empresas.
Para Bonates, a mudança, como apresentada até agora, é arrecadatória e não fiscalizatória, uma vez que a regra atual já permitiria a tributação de compras feitas de empresas ou, quando vendidas por pessoas físicas por mais de US$ 50 (há quem defende que o limite seja US$ 100 por causa de um decreto de 1980, mas a Receita Federal considera o patamar mais baixo).
O governo Lula 3 diz esperar arrecadar R$ 8 bilhões com a cobrança desses impostos, mas não detalha o quanto viria da cobrança na origem e o quando viria das trocas entre pessoas físicas, que perderiam o benefício da isenção.
A Receita Federal também não divulga estimativa do quando fiscaliza ou deixa de fiscalizar, mas empresários que defendem mais rigor na tributação das compras feitas por meio dos marketplaces dizem que o Brasil recebe cerca de 700 mil encomendas importadas todos os dias.
O Aliexpress, do grupo chinês Alibaba, tem um voo semanal operado pela Qatar Airways de uma linha que atende exclusivamente a rota Hong Kong-São Paulo para trazer compras feitas por brasileiros.
O primeiro pouso no aeroporto internacional de Guarulhos foi há pouco mais de ano, em 5 de março do ano passado, trazendo a bordo produtos de beleza e moda, joias, relógios, eletrodomésticos, brinquedos e equipamentos esportivos, segundo comunicado divulgado pela Qatar à época.
Os Correios dizem que, para proteger sua estratégia de negócios, não divulga o volume de encomendas internacionais que passam por seus centros de distribuição em todo o Brasil.
A reação nas redes sociais e mesmo a corrida dentro do governo para explicar a medida dá sinais do quão importante essas compras se tornaram.
A advogada Maria Carolina Gontijo, que se apresenta como a Duquesa de Tax em suas redes sociais, onde produz vídeos e textos sobre impostos, lembrou nesta sexta do caso do site Strawberynet.
Há quase 20 anos, quando as grandes empresas de cosméticos praticamente não tinham lojas no Brasil, o site virou um hit, pois entregava no Brasil e prometia reembolso de impostos. Em blogs de beleza e maquiagem, o site tinha até apelido, era o "morangão".
Essas compras nunca foram isentas, mas levou um tempo até a Receita Federal perceber que aquelas encomendas de preços baixos eram majoritariamente cosméticos vendidos por uma também empresa.
Hoje, com o grande volume de mercadorias chegando todos os dias e vendidas por meio de diversas plataformas, há quem nunca tivesse sido taxado por compra intencional, especialmente as de valor inferior a US$ 50.
Em sites como o Reclame Aqui, que registram queixas de consumidores, há relatos enfurecidos de clientes que usaram marketplaces para compras internacional de US$ 10, US$ 15 e que caíram na fiscalização da Receita Federal.
Os maiores sites, como Shein, Shopee e Aliexpress, mantêm em suas páginas avisos de que as compras podem ser tributadas e que o pagamento caberá ao comprador.
Minha encomenda foi tributada, e agora? Para quem já comprou, o primeiro sinal de que haverá cobrança de imposto vem do rastreamento da encomenda no site ou aplicativo dos Correios,
Lá, é possível ver quando a compra foi para a "fiscalização aduaneira". Se o produto estiver entre aqueles beneficiados pela isenção ou for, por exemplo, um presente de até US$ 50, a tendência é que ele seja liberado sem a cobrança do imposto.
Porém, se isso acontecer, no próprio site dos Correios há a possibilidade de o comprador pedir revisão da taxa. Nesse caso, ele deve comprovar a origem, o tipo de produto (se for um livro, por exemplo) e o valor.
Caso seja um produto de fato sujeito à tributação de importação, as opções são limitadas. Ele pode pagar ou desistir da encomenda.
Nas duas situações, o desfecho, para o comprador, vai depender da plataforma usada para a compra. Algumas, como a Shein, reembolsam metade do que o cliente gastou com os impostos.
No caso da desistência, o consumidor precisa ficar atento às políticas de cada site ou plataforma, pois nem sempre a tributação da compra está entre os requisitos para devolver a compra e reembolsar o valor total.
O que dizem os grandes marketplaces O AliExpress diz, em nota, que acredita no comércio internacional e na possibilidade de dar acesso a milhões de brasileiros, de diversos níveis de renda, diretamente a fabricantes do mundo todo.
"Acreditamos que possíveis atualizações regulatórias serão feitas com total consideração com o objetivo de aumentar os benefícios de escolha e valor para os consumidores brasileiros", afirma.
A Shein afirma que está comprometida em gerar valor para a indústria, consumidores e economia do Brasil e que regras de importação simplificadas são adotadas por muitos países para facilitar o comércio internacional e propulsionar o crescimento local.
"Reconhecemos a importância em propor melhorias para as regras no Brasil de modo a fornecer segurança jurídica para os operadores e garantir que milhões de brasileiros possam continuar a ter acesso ao mercado mundial, bem como a artigos produzidos localmente."
Do Portal Bahia Notícias/Por Fernanda Brigatti | Folhapress/Foto: Divulgação
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