Djavan é o jogador do momento na Académica. Marcou o primeiro golo no campeonato, foi escolhido para a equipa da jornada do Maisfutebol, e continua a cimentar o percurso iniciado esta época com exibições estonteantes. Veloz, impetuoso até, usa o corredor esquerdo da Briosa com permanente ligação à via verde e faz inveja ao mais acelerado dos extremos.
Quem o vê assim, livre, a correr como uma criança pelos campos, está longe de imaginar como foi a sua vida até chegar a Coimbra. Estar aqui, hoje, e a fazer o que faz, roça o milagre. Uma daquelas improbabilidades que, às vezes, escapam ao controlo do destino. Poucos sabem, por exemplo, que Djavan, de 26 anos, só é profissional há pouco mais de ano e meio. Já vão perceber por quê.
O Maisfutebol foi ouvir o relato do esquerdino e mergulhou com ele numa viagem ao passado, aos dias sombrios, assolados pela dúvida e desespero, quando tudo esteve para acabar ainda antes de começar.
Serrinha da Baía, a 173 kms de Salvador, capital do estado, testemunhou os primeiros anos de vida de Djavan, único rapaz (tem quatro irmãs) de uma família humilde. O futebol, jogado na rua, sempre lhe esteve nas veias, como em tantos outros miúdos. Cresceu com uma bola por perto, mas com a certeza de que, antes de mais, tinha de aprender a ganhar a vida com uma profissão.
«Trabalhava num posto de lavagem de carros. O meu pai trabalhou lá 12 anos e eu comecei a ir com ele. Além disso, também tinha um colega pedreiro, que ajudava sempre que podia», explica. Foi nesse mundo que se refugiou, cada vez com mais profundidade, à medida que o sonho de se tornar jogador profissional começava a tornar-se numa quimera.
Rejeitado até encontrar o caminho certo
No futebol, tinha uma experiência puramente amadora, jogando no campeonato intermunicipal. Recebia por cada jogo, às vezes por mês. O talento despertava e, quando fez 18 anos, tomou coragem e decidiu tentar a sorte no Rio de Janeiro.
«Havia um clube lá, chamado Tigre, até correu bem, e pensava que ia dar para ficar, mas era uma equipa controlada por empresários, que só mantinha jogadores com grandes agentes. E eu não tinha na altura. Fiquei decepcionado e abri mão do meu projeto, até porque tive de ir trabalhar para ajudar a família.»
O trauma impregnou-se. «Fica-se com um estigma e receio de passar o tempo a ouvir a mesma justificação: és bom jogador, mas não tens um bom empresário, não podes ficar. Fiquei abatido e a pensar que aquilo iria continuar a perseguir-me. Por isso, cheguei muitas vezes a pensar em desistir, acabar com o futebol», confessa.
Seguiram-se outras tentativas em clubes da região e a desconfiança de Djavan acabou por ter razão de ser. «Estive no Fluminense, de Feira, no Sergipe, em Aracaju, mas num sistema de peneira, só de um dia. Mais de 2000 garotos para passar dois ou três, só 10 minutos para cada jogador, era preciso ter muita sorte para ser escolhido», revela.
Pai resgatou-o do fundo do poço
Quando ponderava deixar as ilusões definitivamente de lado, alguém resolveu ir busca-lo ao fundo do poço. O pai, «seu» Jerónimo. «Não foi profissional, mas sempre manteve uma boa condição física. Acordava-me às 6 horas da manhã para irmos correr porque achava que a velocidade e resistência são fundamentais num atleta. Acreditou sempre em mim e nunca me deixou desistir. O que sou hoje, devo-o a ele», confidencia, emocionado.
«Foi devido a esse lado duro, que percebi as dificuldades da minha família, e me determinei a fazer alguma coisa para mudar essa situação. Pedi muito a Deus que me ajudasse e, no ano seguinte, finalmente, consegui tornar-me profissional», revela, vendo finalmente chegado o prémio pelas qualidades reveladas no campeonato amador e na seleção intermunicipal. Tinha 24 anos.
«O Astro, de Feira de Santana, foi fazer uma pré-temporada na minha cidade e o treinador gostou de um jogo amigável que fiz contra eles. Pediu-me para voltar e foi ai que comecei a minha caminhada, com contrato de um ano. Garanti ao presidente que ia dar o máximo possível», revela, sem deixar, contudo, de mencionar outro revés:
«No meu primeiro clube e no segundo, o Feirense, tive ordenados em atraso, e pensei novamente em ir-me embora e voltar a trabalhar. Fiquei quatro meses sem receber, até que, na Copa do Nordeste, fui jogar contra o CRB, no Estádio Rei Pelé [Maceió]. Era o último jogo para mim. Até já tinha conversado com um colega e ele ia arranjar-me um emprego na empresa.»
Mas a sorte virou, novamente. «A partir desse jogo lancei-me em definitivo. O presidente João Feijó, do Corinthians Alagoano, soube da minha atuação e levou-me para o clube. Joguei o campeonato alagoano e fui distinguido como o melhor lateral-esquerdo da competição.»
Ainda esteve no CRB, onde fez apenas três jogos, porque o telefone tocou com uma chamada do outro lado do Atlântico, e o presidente do Corinthians, parceiro estratégico da Académica para os recrutamentos no Brasil, viu ali uma oportunidade de ouro para projetar o talento recém-encontrado.
O primeiro golo de Djavan… Jackson
O primeiro golo em Portugal, no último domingo, que permitiu arrancar a ferros (aos 93 minutos) uma vitória sobre o Gil Vicente, foi comunicado em primeira mão, obviamente, ao pai. «Ficou muito contente, é o meu principal fã», afiança, consciente de que não vai manter por cá a média que tinha no Brasil.
A facilidade de adaptação a Portugal não deixa de o surpreender, pese vários aspetos táticos, mormente defensivos, que teve de corrigir e nos quais ainda terá de trabalhar para se ajustar na perfeição a um estilo de jogo «mais posicional».
O estilo, deve-o ao «futebol alegre e sem medo» de Ronaldinho Gaúcho. A explicação é simples. Em rigor, tornou-se lateral-esquerdo para tapar o buraco num jogo em que não havia mais nenhum esquerdino para jogar ali.
«Era era meia-atacante [médio ofensivo], como o Ronaldinho, e estudava muito a sua forma de jogar, a ginga, os dribles, mas, um dia, contra o Campinense, eu era o único jogador de pé esquerdo e fui para a lateral. Fiz um grande jogo e fiquei na posição desde então», desvenda.
O nome não o deve ao famoso cantor brasileiro. Embora os pais até apreciassem as músicas, a escolha teve mais a ver com gostos pessoais do que com uma homenagem ao artista. Djavan, que costumava animar os pagodes lá na terra, compondo até músicas, é mais apreciador do estilo dançante de Michael Jackson.
«Já me chamam Djavan Jackson porque consigo imita-lo a dançar [risos]. Agora, eu sou cantor de chuveiro, só faço os passos. Era um dançarino incrível, ninguém consegue superá-lo», conta, divertido.
Adeus à bicicleta e a confusão com o pequeno-almoço
Djavan está a tratar de tirar a carta de condução, para deixar de depender das boleias dos colegas. Em Coimbra, seria difícil recorrer à bicicleta que usava para ir para os treinos quando vivia em Serrinha. Quando voltar ao Brasil, já poderá conduzir devidamente «regularizado»… e ao volante da primeira «bomba».
Em Portugal, ainda sem o ouvido treinado para o idioma europeu, os primeiros tempos foram férteis em mal entendidos. A maior parte deles resolvidos à força das gargalhadas.
«Falavam, no balneário, em tomarmos o pequeno-almoço juntos, eu imaginei que fosse um almoço curtinho, com pouca coisa na mesa. Acabou o treino, eram umas 11 horas, e eu fiquei à espera. Pessoal, não estou a ver nada na mesa para esse tal almoço pequeno, disse. Toda a gente ia embora e eu fiquei lá sentado, à espera. Até que me explicaram…»
Em jeito de compensação, costuma haver leitão para a equipa, por conta do treinador, a seguir a um treino, nas semanas de vitórias. «Uma delícia, no Brasil não temos o porco desta forma. O pessoal cai matando em cima. Se voltarmos as costas, desaparece tudo», despede-se, bem-disposto.
Por Francisco Frederico (Portal Mais Futebol)
Nenhum comentário:
Postar um comentário