Num domingo qualquer, Serrinha, a 182 km de Salvador, repousa em silêncio. Comércios fechados, ruas vazias e um clima sereno típico do interior. Mas, escondido em um condomínio residencial, um quarto se transforma em um verdadeiro portal para o universo underground do rock baiano: é o Museu do Rock em Serrinha, fundado pelo músico e produtor Cristiano Carvalho, de 51 anos.
O local, criado dentro da casa onde Cristiano cresceu e ensaiava com suas bandas, abriga centenas de cartazes de shows, fitas cassete, CDs e vinis colecionados ao longo de mais de três décadas. O acervo revela a força do movimento alternativo na cidade, reunindo relíquias como o cartaz feito à mão do primeiro show de rock em Serrinha, realizado em 1993, com bandas como Peste Bubônica, Dicyplu’s e Madness – esta última, precursora da Charcot, da qual o próprio Cristiano foi baterista.
Além dos cartazes emoldurados nas paredes, o museu guarda materiais históricos ainda não exibidos. Parte do acervo continua sendo catalogada, com o objetivo de ser digitalizada e tornar-se acessível nas redes sociais. Cristiano também planeja implementar recursos de acessibilidade, como audiodescrição e braille, para tornar o espaço ainda mais inclusivo.
Do Facebook ao espaço físico
A ideia do museu surgiu em 2016, quando Cristiano começou a compartilhar fotos de sua coleção no Facebook. Dois anos depois, decidiu oficializar o projeto com a criação do espaço físico. Para viabilizar a montagem da exposição, lançou uma campanha chamada “adoção de quadros”, onde apoiadores financiavam as molduras e se tornavam “padrinhos” dos cartazes.
“Eu fui juntando os cartazes sem saber o que fazer com eles. Chegou uma hora em que estavam se perdendo, e aí veio a ideia de criar o museu”, lembra Cristiano.
Hoje, o espaço ainda não é aberto ao público de forma permanente, mas funciona de maneira itinerante. Parte da exposição é levada a escolas públicas e ao shopping da cidade, e visitas ao local podem ser agendadas. “Sempre que alguém pede para conhecer, abro as portas com prazer. Já recebi até bandas de fora que tocaram em Serrinha e quiseram visitar o museu”, conta.
Entre o boi e a guitarra
Conhecida como Capital da Vaquejada, Serrinha também tem uma forte veia roqueira. Em 2016, graças à iniciativa de Cristiano, a cidade instituiu oficialmente o Dia Municipal do Rock, comemorado em 30 de julho – mesma data do primeiro show do gênero no município. “Se não corrermos atrás para movimentar a data, vira só mais um dia no calendário. Por isso fazemos shows na rua, trazemos bandas de fora e valorizamos as locais”, explica.
A edição de 2025 foi celebrada com apresentações de dez artistas de Serrinha, Salvador e Conceição do Coité. Para Cristiano, a cidade se destaca no interior baiano por manter sempre pelo menos quatro bandas ativas ao mesmo tempo, ao contrário de muitos municípios vizinhos que não conseguem sustentar uma cena underground forte.
Shows como o do guitarrista Marty Friedman (ex-Megadeth), que já se apresentou na cidade mais de uma vez, comprovam a importância de Serrinha na rota alternativa de bandas que visitam a Bahia. “Trouxe até um cover do Iron Maiden no ano passado e veio gente de uns 15 municípios diferentes”, recorda.
Rock como herança e resistência
A relação de Cristiano com o rock começou cedo. Em 1985, viu pela TV shows históricos do Rock in Rio, como Ozzy Osbourne e Paralamas do Sucesso. Mas foi só nos anos 1990, durante a vaquejada local, que presenciou o primeiro show de heavy metal em Serrinha: a apresentação da banda Zona Abissal, de Salvador, que plantou de vez a semente da paixão musical.
Em 1993, fundou sua primeira banda, a Madness, depois rebatizada como Charcot. Sem apoio externo, os próprios integrantes organizavam os shows. Na época, o apoio vinha principalmente da família. “Minha mãe nunca reclamou, mesmo com 50 pessoas na porta de casa assistindo nossos ensaios. Um dia ela perguntou: ‘de onde você tirou esse gosto por barulho?’ E eu disse: ‘cresci vendo meu pai tocar acordeão, o que a senhora esperava?’”, brinca.
Além do museu, Cristiano também fundou um selo independente que ajuda a gravar, produzir e divulgar artistas locais. Em 2024, lançou o álbum Herege, da banda itabunense Jacau, em parceria com 26 selos de todo o Brasil.
Um futuro promissor para o rock do sertão
Cristiano tem notado uma renovação no público e nas bandas. “No último Dia Municipal do Rock, eu não conhecia metade da plateia. É muita gente nova, já formando bandas ou curtindo lá na frente do palco”, comemora. Ele credita esse movimento ao esforço coletivo de manter os shows acessíveis e promover a cultura underground em locais de grande circulação, como o shopping.
Com o Museu do Rock e suas outras iniciativas, Cristiano Carvalho segue alimentando o sonho de muitos jovens de Serrinha e região, mostrando que, mesmo em meio ao som dos aboios, sempre haverá espaço para a distorção das guitarras.
Para saber mais sobre o Museu do Rock em Serrinha, siga no Instagram: @museudorockserrinhaba
Do Portal Ailton Pimentel/Cristiano Carvalho, músico e produtor. Idealizador e fundador do museu – Foto: Reprodução

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