O sentido às vezes se completava nas reticências: "Seu delegado prenda o Tadeu / Ele pegou a minha irmã e..." ('Prenda o Tadeu'). Às vezes, também na homofonia: "Talco no salão / Talco no salão / Pro forró ficar cheiroso/ E ter mais animação" ('Forró cheiroso').
"Não era um repertório de duplo sentido, mas um repertório de múltiplo sentido": é a definição do cantor e compositor Biliu de Campina para o estilo da cantora Clemilda, que morreu na semana passada, em Aracaju (SE), aos 78 anos.
Voz daqueles e de outros clássicos de uma das poucas mulheres que enveredaram por este tipo de cancioneiro em seu tempo, Clemilda Ferreira da Silva sofreu um Acidente Vascular Cerebral (AVC) no mês de maio e desde então teve seu estado agravado por uma pneumonia e por um histórico de hipertensão e Parkinson.
O corpo foi sepultado na quarta-feira na capital sergipana, mas os refrões que ela cantarolou ao longo de uma carreira de meio século, com 40 LPs, seis CDs, dois discos de ouro e dois de platina, continuam vivos na memória popular.
"O tempo sempre dá o verniz das coisas: o que é ruim vai sendo esquecido e, se as canções de Clemilda são até hoje lembradas até por pessoas que não necessariamente viveram o momento dela, é porque ela realmente tinha qualidade", afirma Rosualdo Rodrigues, um dos autores do livro O Fole Roncou! Uma História do Forró (2012). Para o pesquisador, Clemilda se distinguiu como artista por sua "malícia" e "alegria na forma de cantar", algo que dava "sutileza" à sua interpretação.
"O dito 'forró de duplo sentido' ou pode soar muito grosseiro ou muito engraçado, e este era o caso de Clemilda, que acabava tirando o ranço até dos ouvintes mais moralistas", reflete Rodrigues, comparando o forró daquela época (meados da década de 1960, ditadura militar começando), ao de hoje. "Hoje não tem mais duplo sentido. Perdeu-se justamente a graça e a criatividade de falar de uma coisa querendo dizer outra. Hoje você diz direto. É como se tivessem tirado o véu da coisa. Você não a vê mais através daquela cortina do despudor com pudor."
Um elemento que, ainda segundo o pesquisador, estava muito ligado à performance de Clemilda. "Como Genival Lacerda, ela tinha uma questão de movimento que se aliava ao duplo sentido", lembra Rosualdo, remetendo-se às famosas 'umbigadas' que tornavam suas aparições na televisão (em programas como o Clube do Bolinha, o Cassino do Chacrinha e Os Trapalhões) tão famosas. "Foi justamente essa veia humorística que se perdeu hoje em dia."
Nascida em São José da Laje (AL), em 1936, Clemilda chegou a morar no Rio de Janeiro (RJ), onde conheceu o sanfoneiro Gerson Filho (1928-1994), com quem fez sólida parceria pessoal e profissional. Foi carinhosamente apelidada de 'Rainha do Forró' e, como conta Biliu de Campina, que a conheceu na década de 1990, nos estúdios da TV Cultura, em São Paulo, fica lembrada pelo jocoso, mas também por momentos pontualmente "sérios", que fizeram dela uma figura exponencial e autônoma: "Quem fez a história e participa dela fica para a eternidade."
Do Portal Interior da Bahia(Fonte: Jornal da Paraíba).
Nenhum comentário:
Postar um comentário