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segunda-feira, 22 de abril de 2013

Ofício de vaqueiro é patrimônio cultural da Bahia: Conheça um breve histórico


A Bahia, embora muitos desconheçam isso, é detentor do maior território sertanejo dentre os estados nordestinos.

Muito mais que isso, o seu território, excetuando-se a faixa litorânea, o recôncavo e a pequena área de exploração mineral, é majoritariamente sertanejo e sofreu e sofre influência deste. O território sertanejo da Bahia é mais ou menos equivalente à soma dos outros oito estados do Nordeste.

Na literatura que objetiva aprofundar conceitualmente as noções de cultura e patrimônio, muitos estudiosos e técnicos advogam a relação intrínseca existente entre território e patrimônio cultural. Isso significa reconhecer que onde há território e gente habitando há repertórios culturais.

Esta concepção, entretanto, histórica e politicamente, nunca foi levada em conta em nosso estado e no resto do Brasil. E está ainda longe, em pleno século XXI, de ser considerada. Especialmente na Bahia onde, fruto da colonização, preponderou uma espécie de cegueira que leva a uma tirania que, reconhecendo só o seu passado colonial em torno da Baía de Todos os Santos – uma área mínima do seu território –, despreza-se o seu maior território cultural: o sertão.


É nessa breve e superficial contextualização que se insere a situação da cultura sertaneja. Desconhecida. E, portanto, rejeitada, desconsiderada, excluída, desrespeitada e tratada de forma preconceituosa, inclusive, dentro dos equipamentos do próprio Estado, a quem caberia cuidados e políticas públicas voltados para seu reconhecimento.

É preciso relembrar que, exceto o período de 1983/90 – coincidentemente quando sertanejos estiveram à frente do governo da Bahia e da sua Secretaria da Educação e Cultura – historicamente, os órgãos governamentais responsáveis pela condução da política cultural do estado da Bahia nunca incluíram de forma sistemática ações voltadas para a cultura do sertão – sobretudo seu patrimônio imaterial. É como se não existisse. Como se não fosse, a cultura sertaneja, baiana. Sem as iniciativas – mais visivelmente a partir dos anos sessenta – de alguns criadores dos campos da literatura, do cinema e das outras artes, menos ainda saberíamos, como nada ou quase nada saberíamos de Canudos sem a obra de Euclides da Cunha. 

Em 1983, no governo João Durval, com o apoio do secretário da Educação e Cultura, Edivaldo Boaventura, e do então Diretor do Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia – IPAC, Benito Sarno, a partir da re-conceituação (Qual o seu objeto?) sobre qual a missão deste órgão responsável pela política voltada para o patrimônio cultural do estado, um grupo de técnicos inseriu o IPAC, que estava voltado apenas para o patrimônio material, numa nova perspectiva: dentro de sua alçada e competência passa a constar a instância de cuidar do patrimônio intangível, incorpóreo, hoje mais conhecido como patrimônio imaterial. Algo para a época até certo ponto vanguardista, considerando-se que a Constituição Federal só veio a tratar disso em 1988, e mesmo a sua aparição em Cartas e Convenções de organismos internacionais voltadas para o patrimônio é também recente. 

Com isso, a Bahia, como disse, entre 1983/90, é dos primeiros estados, senão o primeiro, a tentartrabalhar sistematicamente com a cultura imaterial dos seus não pertencentes e discriminados1: índios, vaqueiros etc. que vivem nas brenhas, fora do neon do entorno de sua capital. São os “jeca”, “tabaréu”, “sertanejo”, “rude”, “matuto“, “roceiro”, “grosseiro”, “povo sem cultura”, “analfabeto”, “caipira”, “capiau”, “nordestino”, como eram e são ainda preconceituosamente denominados.

De forma sucinta, é assim que a política cultural da Bahia, no que concerne ao seu patrimônio, tenta ampliar seus horizontes e começa a se estender, para além do que se convencionou chamar e entender como seu Centro Histórico (Pelourinho e adjacências e, quando muito, ações pontuais em Cachoeira e Lençóis, com apenas pedra e cal), a todo o estado da Bahia com diretrizes, inclusive, destinadas ao registro e salvaguarda do seu patrimônio imaterial.

Com este foco, dois projetos foram pioneiros: o projeto ‘Bahia: raízes indígenas’ (1984) e  o projeto ‘Histórias de Vaqueiros: Vivências e Mitologia’ (1985/90). Aquele, em convênio IPAC / Instituto Nacional do Folclore / Universidade Federal da Bahia, através do seu Museu de Arqueologia, dirigido então pela antropóloga Maria Hilda Baqueiro Paraíso. E este através do IPAC2, com o apoio do Dese(m)nbanco, através do seu presidente Raimundo Moreira, e, na sua segunda etapa, com a participação, dentre outros, da Fundação Banco do Brasil.

O projeto Histórias de Vaqueiros: Vivências e Mitologia inicia o mais abrangente e sistemático estudo jamais feito na Bahia e no Brasil sobre o vaqueiro – o protagonista, representante e símbolo maior da cultura sertaneja, – e seus repertórios.     

Entre 1990/2006, mais uma vez não alcançada pelas diretrizes da política cultural da Bahia voltado para o patrimônio, a pesquisa sobre os vaqueiros da Bahia só pôde continuar através de esforços pessoais.  Entre 2007/10, na gestão do secretário Márcio Meireles e com o apoio do Conselho Estadual de Cultura, cujo presidente na época era o hoje Secretário de Cultura Prof. Albino Rubim, tivemos a oportunidade de convencer os pares sobre a urgência, a necessidade e o quão determinante era se olhar para a cultura sertaneja. O apoio foi unânime.

Em alinhamento com universidades e pessoas vinculadas à cultura sertaneja, foram formatados, nesse mesmo período, os projetos do Centro de Referência do Sertão do Estado da Bahia – CERES e do Espaço Cultural Universitário do Sertão – ECUS.  Ambos aguardando sua concretização. 

Daí, com o estímulo do museólogo Mateus Torres, dirigente do setor de Patrimônio Imaterial do IPAC, e das ações em curso, através do Conselho Nacional de Política Cultural – CNPC, buscando a aprovação na Câmara de Deputados do reconhecimento da profissão de vaqueiro, foi encaminhado ao IPAC, em três de maio de 2010,  ofício solicitando o Registro do Ofício de Vaqueiro – seus saberes e fazeres  – como patrimônio cultural imaterial da Bahia.

Não obstante a disponibilização e o apoio dado no sentido de que o dossiê sobre o pedido ficasse pronto em prazo hábil para buscar sua aprovação em votação no CEC, ante a impossibilidade do órgão de dispor de técnicos que pudessem elaborar o referido dossiê (peça necessária para ir a votação) e a eminência de finalização daquela gestão do CEC em 2010 e ainda considerando a informação veiculada pela imprensa de que não haveria mais naquele ano por parte do IPAC nenhum registro de patrimônio imaterial a não ser a conclusão do Registro da Festa de Santa Bárbara, não nos restou outra alternativa:  em cinco dias corridos o dossiê sobre o Ofício de Vaqueiro foi elaborado.

Após ser encaminhado em caráter de urgência ao Gabinete do Secretário Márcio Meireles, foi imediatamente levado ao Conselho Estadual de Cultura da Bahia, em sua penúltima sessão plenária, no dia vinte e quatro de novembro de 2010, sendo apreciado pela sua Câmara de Patrimônio e, na mesma tarde, pelo Pleno da Casa, obtendo aprovação por unanimidade. Com a chancela do CEC, o Ofício de Vaqueiro passa a ser reconhecido como Patrimônio Cultural Imaterial da Bahia. O decreto governamental é publicado no diário oficial em dez de agosto de 2011.  Em Feira de Santana, em seis de maio de 2012, com a presença de cerca de cento e trinta vaqueiros de vários municípios da Bahia, na abertura do evento Celebração das Culturas dos Sertões, é realizada, finalmente, a cerimônia de inserção do Ofício de Vaqueiro no Livro do Registro Especial dos Saberes e Modos de Fazer

Tal fato, de inegável relevância, propiciou à Bahia ser o único estado da federação a fazer o Registro de um Ofício de Saber: o Ofício de Vaqueiro – seus saberes e fazeres – como Patrimônio Cultural Imaterial. Imperativo, ainda, destacar, que já foi encaminhado ao IPHAN o pedido para que este Ofício seja também reconhecido como Patrimônio Cultural Nacional. 

É a tentativa de se iniciar um reparo histórico com aquele que fora a figura de proa do maior fenômeno sócio-cultural para formação do território da Bahia e de várias regiões do país; para com aquele que é o homem primevo a conviver com os agrestes e as caatingas nas amplidões do sertão, constituindo o sopro inicial urbano com a fixação do primeiro mourão e o estabelecimento dos primeiros currais e depois casas de fazenda. 
                                                              
O boi, como também o cavalo, ocupa o imaginário humano desde antes da sua domesticação, cerca de sete mil anos a.C. Ou mesmo remonta à Idade da Pedra Lascada ou ao começo da Pedra Polida, quando foi iniciada a domesticação do cachorro. E desde a antiguidade em vários países o boi aparece como signo zodiacal, representação divina no Egito ou sagrada na Índia, entidade totêmica dos Bantus na África, em Creta e na Espanha. No Brasil, sua imagem está vinculada ao início da colonização como força motriz para mover os engenhos dos canaviais e logo aparecerá em nossos presépios, como nos indica pesquisas de Oswald Barroso, Sebastião Ponte e Margarita Hernández.

Na Bahia, no Nordeste e outras regiões do país, a figura do boi associada à sua relação com o vaqueiro deu origem a uma legião de seres misteriosos e encantados que  estão presentes nas melopéias e aboios dos vaqueiros na comunicação com o gado e em sua tradição oral. Na Bahia suas variantes são Bois e Vaqueiros Misteriosos, Bois Ideados e com Maçãs, Gritador, Pé-de-garrafa, Caminheiro... mitos do mundo sertanejo, que servem de inspiração aos vaqueiros, poetas populares, cantadores de feiras, repentistas, dentre outros, e compõem o universo fantástico, religioso e supersticioso, místico e mítico da cosmologia do homem sertanejo.

Sobre a chegada da primeira leva de gado na Bahia, alguns indicam 1549, outros 1550. Mas a cartado governador Tomé de Souza ao rei de Portugal em 18 de junho de 1551 (Faria, 1969: 12) não precisa, mas informa que acontecera mesmo antes de 1551. O registro de pagamento a um homem pela sua lida com o gado confirma que já havia aqui um homem trabalhando como vaqueiro desde 1549. Não foi na Bahia que desembarcou a primeira leva de gado a chegar ao Brasil, trazida pelos portugueses em suas naus, vinda do Alentejo, das Ilhas Canárias e do Cabo Verde, porém tem-se informação oficial de que aqui se efetuou o primeiro pagamento a um homem pela sua labuta com o gado. Foi Pedro Gonçalves D’Alpendrinha que recebeu, em agosto de 1549, do governo Thomé de Souza, trezentos e trinta réis pelo seu ofício, podendo assim ser legitimado e considerado o primeiro vaqueiro entre nós.

As primeiras cabeças de gado que chegaram ao Brasil aportaram em São Paulo (São Vicente), em 1534, e em Recife, em 1535, segundo nos informam Oswald Barroso, Sebastião Ponte e Margarita Hernández. E em 1549 desembarcaram na Bahia, na península itapagipana, região plana e com vegetação de pastagem.   

A partir daí, o território da Bahia é inundado de gado tendo à frente o trabalho do vaqueiro. Como dizem Luiz Alberto Moniz Bandeira, em o Feudo, e Eurico Alves Boaventura, em Fidalgos e Vaqueiros, as boiadas, passando pelo sertão da Vila Velha (hoje o bairro da Barra, em Salvador), pelo sertão do Rio Vermelho, hoje bairro do Rio Vermelho, indo por Itapuã e alcançando Tatuapara (hoje Praia do Forte, no município de Mata de São João), onde foi construída a fortaleza de Garcia D’Ávila, deram origem ao maior latifúndio de que se tem notícia entre nós, que vai da Bahia ao Piauí/Maranhão, com uma área equivalente a de vários países atuais da Europa.

Nosso vaqueiro é figura central, centrípeta e centrífuga a um só tempo, dessa expansão/ocupação e estruturação sociocultural realizada pela pecuária extensiva no ciclo do couro, que se inicia em meados do século XVI e vai até o inicio do século XX, quando aparece o arame farpado. É uma espécie de campeador de aparência medieval a encher o imaginário popular com sua riquíssima tradição oral: histórias de bois ideados e encantados, concepção de mundo, religiosidade, crença fatalista e redentorista, sincretismo e superstições.

Esse percurso físico e também temporal exigiu dos vaqueiros a criação de saberes e fazeres, equipamentos, técnicas, procedimentos que possibilitaram o desbravar do meio inóspito das caatingas, matas, agrestes, cerrados, chapadas e planaltos, o estabelecimento de vida sociocultural no sertão, e em coexistência (quase sempre não pacífica) com os índios lá existentes.

Fruto da miscigenação, o vaqueiro é índio, negro e branco. É o primeiro baiano no sentido amplo, isto é, de abrangência estadual, que fincou o pé em todo estado da Bahia. É o caboclo, brasileiro genuíno, de primeira cepa, como defendia Darcy Ribeiro. As agruras do seu ofício e o sol causticante do sertão lhe talham no rosto e no corpo os sulcos que a seca impõe à terra sertaneja. É um homem vestido de couro e com a cara da sua terra.

Cabe a ele tomar conta e dar conta. Cuidar, dominar e proteger o gado, a quem confere a existência de alma e inteligência (“astuça”) igual aos humanos. A presença quase sempre tímida e retraída, “vestido nos couro” - sua armadura -, à mão uma “guiada” ou “pau-de-ferro” ou “ferrão”, em cima do seu cavalo e acompanhado por um inseparável cachorro, lhe dão a aparência de guerreiro medieval. “Figura eterna vinda do fundo mais remoto da antiguidade de toda raça humana, atravessando a história, perpassando séculos e vencendo os milênios” [...] “Contemporâneo de Abraão, serviu a Hamurábi, arreou o cavalo de Anacreonte e laçou éguas em parceria com Sócrates” [...] E, segundo ainda o cantador Elomar, “passados mais de dois mil e trezentos anos, eis aqui entre nós os últimos vaqueiros do mundo”.

Travaram e ainda travam lutas que, não raro, podem levar à morte de um dos contendores ou deixar marcas e seqüelas indeléveis. Mas não transige com o respeito e a consideração para com o animal. Trata-o e medica-o quando o fere, logo cessada a peleja ou contenda. E nunca se considera superior ao animal. Ao contrário, trava uma luta onde reconhece que pode vencer ou ser vencido. E admite que nem sempre vence. Na relação do vaqueiro com o boi não há o instituto da superioridade humana.

O oficio de vaqueiro é de alta sensibilidade e complexidade, com ensinamentos sendo passados de pai para filho, mas nem todos têm aptidão para exercê-lo. Porém, desde a década de 1980 vem sofrendo forte impacto das mudanças no meio rural, e desde essa época já se via na região de Feira de Santana, vaqueiros motorizados tangendo o gado em suas motocicletas. Durante nossas pesquisas pudemos constatar o declínio da profissão entre os mais jovens, com queixa generalizada dos pais de que seus filhos não queriam aprender e seguir a profissão.

O vaqueiro é um polivalente: é o lutador, curador (primeiro, por assim dizer, médico veterinário do sertão), arquiteto, artesão, administrador etc. Criador de técnicas e conhecimentos diversos em especial na área da botânica, fitoterapia e do meio ambiente. Seu vestuário é composto de várias peças6 (assim como os arreios dos cavalos), constitui o único traje de trabalho do Brasil colônia ainda em uso. É um traje de trabalho de 464 anos! 

Chapéu de vaqueiro com barbela; peitoral, gibão, jaleco, luvas, perneiras (com calção em algumas regiões da Bahia), alpercata testeira ou alpargatas ou sapatos de couro com esporas em metal. Taca, guiada ou ferrão ou pau-de-ferro, facão, punhal, serrote, relho, cilhas ou peias, chocalho ou gangolo, careta ou tapa,  alforge ou borracha,  são os acessórios que completam o traje dos vaqueiros e não raro um patuá no bolso do jaleco ou na aba do chapéu.    

Portanto, o mais antigo do país. Apenas esse fato e tudo que ele simboliza já seria, em nosso entender, suficiente para um Registro Especial como Patrimônio Nacional.

O ofício de vaqueiro – que é um símbolo nordestino e brasileiro - é o grande responsável pela criação de todo um acervo sociocultural que abrange desde riquíssima variante da língua nacional, singular tradição oral, vasto conhecimento nos mais variados campos dos saberes e modos de fazer, depositário de rico repertório cultural e patrimonial, plasmado em seu falar, técnicas, medicina, botânica, ecologia, manejo com o gado, culinária, moral, ética, estética, traje, vestimentas e moda; relação com a morte e a vida; aboios, música, ritos, mitos, suas cosmologias e seus símbolos; suas crenças e singular religiosidade; seus bens móveis e imóveis, inclusive conhecimentos arquitetônico e de criação artística – as casas de vaqueiro da “época dos currais” e as “casas de fazenda”, construções, tipos de cercas, equipamentos, ferramentas, arte em couro, ferro (em especial sua heráldica), metais, barro, madeira, palha e utensílios os mais diversos e de usos variados.

Este registro do Ofício de Vaqueiro com todo seu rico arsenal de técnicas e saberes, constituído pela sabedoria e obstinação do vaqueiro sertanejo, sugere de imediato que a Bahia está preocupada em definitivamente livrar-se da pecha de ser o estado nordestino que historicamente excluiu da sua agenda cultural as manifestações da cultura sertaneja; sempre, de maneira míope, privilegiando sua capital e criando um processo de colonialismo interno e aculturação empobrecedores, cujas consequências estão ai aos nossos olhos: exclusão, não pertencimento (não se sentir baiano), autoestima baixa e por conseguinte vontade de desvinculação.

Mas, para que tal registro contribua concretamente para um processo de efetivo reconhecimento das manifestações da cultura sertaneja, faz-se necessário o imediato estabelecimento de equipamentos e mecanismos, que ainda não existem, capazes de criar e garantir ações de política cultural voltadas para esta Bahia histórica e culturalmente tão desprezada: a Bahia do sertão, de todos os seus vaqueiros e dos mais de nove milhões de sertanejos.

Como disse Mangabeira Unger e, se não me falha a memória, também apoiado em artigo por Antonio Risério, não existirá um Brasil desenvolvido (no sentido humano deste termo) se não houver um projeto sério e qualificado para o Nordeste. Em analogia: se a Bahia, em especial Salvador, não considerar em suas políticas culturais de forma sistemática e efetiva a rica diversidade cultural do estado e continuar fechada em si, excluindo o sertão em suas demandas e, mais ainda, sendo preconceituosa e tendo vergonha de ser a capital do maior estado sertanejo do país, certamente definhará e isso parece já acontecer, pelo menos com Salvador.

Este Registro, dos cinco até aqui publicados pelo IPAC, é o único e primeiro dedicado a repertórios culturais que se encontram fora do entorno da Baía de Todos-os-Santos.  Coincidentemente, enfrentou muitos obstáculos para formulação do seu dossiê e muito tempo consumiu para ter a publicação do seu Caderno disponibilizado ao público. Isso, entretanto, nos faz crer e ter expectativa de que Salvador e a Bahia começam a dar indícios, ainda que iniciais, de conscientização da importância em se reparar a injustiça histórica para com a cultura sertaneja e seu rico patrimônio cultural. O Oficio de Vaqueiro – seus saberes e fazeres, agora Patrimônio Cultural da Bahia, enfeixa uma parte considerável desse manancial patrimonial.

Como foi o vaqueiro o grande iniciador da conquista do território da Bahia e o homem primeiro e secular a criar os elementos primaciais da cultura sertaneja, oxalá ele esteja sendo, neste ato, o inspirador e iniciador de um novo momento para a política cultural da Bahia. Há sofrimento, mas também esperança.

Salvador, 10 de Março de 2013.

Washington Queiroz – Antropólogo

Do Portal Interior da Bahia

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