Na madrugada da próxima segunda-feira (26), se as condições técnicas e meteorológicas permitirem, deve começar a missão Polaris Dawn, destinada a realizar a primeira caminhada espacial privada.
O pai do projeto é o bilionário americano Jared Isaacman, fundador da empresa digital de pagamentos Shift4, e também responsável pela missão Inspiration4, que se tornou o primeiro voo tripulado 100% comercial à órbita terrestre, em setembro de 2021.
A exemplo daquele voo inaugural, Isaacman (que é piloto com qualificação em jatos militares) ocupará mais uma vez a posição de comandante, em uma missão para a qual contrataram a SpaceX.
De novo, serão quatro tripulantes a bordo da cápsula Crew Dragon: além de Isaacman, participam do voo Scott Poteet, vice-presidente de estratégia da Shift4, também com formação de pilotagem militar, Sarah Gillis e Anna Menon, engenheiras da SpaceX.
Para o trio, será o primeiro voo espacial. O comandante Isaacman já vai para sua segunda missão autofinanciada. E, a exemplo da primeira, ele quer que o voo seja mais do que uma versão vitaminada de turismo espacial.
O programa Polaris, do qual a Polaris Dawn será a primeira missão, tem por objetivos expandir os limites dos voos espaciais comerciais.
É verdade que a Inspiration4, de saída, trouxe inovações, voando mais alto que uma missão tripulada típica à órbita terrestre baixa, com apogeu (ponto mais distante da superfície) de 585 km, atingindo a maior altitude desde uma visita do ônibus espacial Discovery, da Nasa, ao Telescópio Espacial Hubble, em 1999. Para efeito de comparação, a Estação Espacial Internacional (ISS, na sigla em inglês) orbita a cerca de 400 km do chão.
Naquela ocasião, a Crew Dragon Resilience passou quase três dias no espaço, e o plano de voo levou a SpaceX a desenvolver uma cúpula para observação do espaço a ser instalada na cápsula em lugar do sistema de acoplagem, sem utilidade já que o veículo não iria atracar na estação espacial.
Para a Polaris Dawn, o plano é ainda mais ousado: ao longo de cinco dias, a mesma Resilience (que voou em 2021 e, antes disso, foi responsável pelo primeiro voo regular de transporte de tripulações à ISS da SpaceX para a Nasa, em novembro de 2020) usará toda a potência do foguete Falcon 9 para se colocar numa órbita elíptica com apogeu de 1.400 km e perigeu (ponto mais próximo da superfície) de 190 km.
Caso isso se confirme, será a missão em órbita terrestre a se afastar mais do nosso planeta, batendo a americana Gemini 11, de setembro de 1966, que teve um apogeu de 1.369 km. Nunca ninguém esteve mais longe da Terra, exceto pelos que participaram das missões lunares Apollo, entre 1968 e 1972. (A Lua fica a cerca de 384 mil km da Terra.)
CAMINHADA ESPACIAL
O aspecto mais arrojado da missão, contudo, é o da caminhada espacial. A exemplo da antiga cápsula Gemini, ela será feita sem uma comporta de ar, o que significa que a própria nave será despressurizada enquanto os tripulantes ficam expostos ao vácuo do espaço, algo que Isaacman se refere como a estar "cercado pela morte".
"A única coisa que se aproxima disso é uma câmara a vácuo, e é lá que que você sente como é estar nas condições do espaço", disse o bilionário em entrevista à CNBC, mencionando os treinamentos pelo que passaram para estarem prontos para a EVA (atividade extraveicular, na sigla inglesa, jargão técnico para descrever uma caminhada espacial).
Ela deve acontecer no terceiro dia de voo, a uma altitude de cerca de 700 km. Isaacman e Gillis sairão da cápsula, com cordões umbilicais, para uma voltinha pelo vazio, enquanto Poteet e Menon ficarão a bordo para dar suporte técnico. Mas, todos, na prática, expostos ao vácuo. O procedimento todo deve durar cerca de duas horas -um teste importante para o novo traje espacial desenvolvido pela SpaceX especificamente para a missão.
Até então, a empresa de Elon Musk havia criado apenas trajes de IVA (atividade intraveicular), basicamente roupas pressurizadas que protegem os astronautas em uma emergência que leve à perda de atmosfera na cápsula. Muita pesquisa foi feita para convertê-las em trajes de EVA, que receberão seu primeiro teste prático em condições espaciais durante essa missão.
A ideia casa bem com o plano de Isaacman de não apenas satisfazer seu gosto pelo turismo de aventura como sobretudo permitir que essa realização produza avanços que ampliem o alcance da ocupação do espaço.
"É tudo sobre construir a próxima geração. Continuamos a mexer no design do traje para que a SpaceX um dia possa ter centenas ou milhares para a Lua, para Marte, para trabalhar [em órbita terrestre], o que for", diz o empresário.
EXPERIMENTOS E EXPERIÊNCIAS
Os cinco dias de missão serão bastante agitados. O primeiro estará dedicado à checagem de sistemas e à manobra que elevará o apogeu da órbita até 1.400 km. O segundo envolverá a realização de cerca de 40 experimentos a bordo, além da preparação dos trajes para a caminhada espacial, a ser conduzida no dia seguinte.
Em meio a tudo isso, um experimento passivo, mas planejado, será conduzido em razão da órbita escolhida, que fará com que a cápsula periodicamente cruze o mais baixo dos cinturões de radiação que existem em torno da Terra, em razão de sua magnetosfera. Especialmente crítico é o voo por sobre a Anomalia do Atlântico Sul, uma região em que o campo magnético terrestre é menos intenso e, por conta disso, o cinturão desce a altitudes mais baixas.
"Nossas duas ou três passagens de alta altitude pela Anomalia do Atlântico Sul serão quase a totalidade da carga de radiação da missão e o equivalente a três meses na Estação Espacial Internacional", conta Isaacman. Os efeitos dessa rápida e intensa exposição serão medidos nos tripulantes, oferecendo resultados de interesse para futuras missões tripuladas ao espaço profundo.
A missão também testará a comunicação a laser entre a cápsula e os satélites Starlink, o que pode viabilizar transmissões de alta resolução sem interrupções durante o voo.
A exemplo do que foi feito na Inspiration4, a Polaris Dawn também arrecadará fundos para o Hospital Infantil de Pesquisa St. Jude, nos Estados Unidos, dedicado a tratamentos de câncer. A primeira missão arrecadou US$ 243 milhões (R$ 1,3 bilhão).
Caso tudo corra bem, este será apenas o primeiro voo do programa Polaris. Outros dois já estão contratados. O segundo também será com um Falcon 9 e uma Crew Dragon, e aventou-se a possibilidade de uma visita ao Telescópio Espacial Hubble, para elevar sua órbita e evitar que ele reentre na atmosfera nos próximos anos, mas a Nasa descartou a oferta. Já o último deles envolverá o veículo Starship, superfoguete atualmente em fase de desenvolvimento pela SpaceX.
Do Portal Bahia Notícias/Por Folhapress/Foto: Spacex/ Divulgação
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