A vazão do Rio São Francisco, especialmente na região centro-norte, diminuiu mais de 60% nas últimas três décadas, segundo uma pesquisa do Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis) da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), publicado na revista Water. E isso não é tudo: entre 2012 e 2020, a bacia perdeu cerca de 15% de sua cobertura vegetal, agravando o cenário de uma das secas mais intensas já registradas na região.
Mas o que está por trás desse encolhimento do “rio da integração nacional”? A pesquisa do Lapis/Ufal aponta para um fenômeno relativamente novo, as secas-relâmpago, que cresceram em frequência e intensidade na última década. Essas secas são marcadas pela combinação de uma queda brusca na chuva com altas temperaturas, o que desencadeia uma rápida diminuição na umidade do solo e nos corpos d’água. “Temperaturas mais altas intensificam o uso da água pelas plantas e a evaporação dos corpos d’água. A consequência é menos água fluindo para o São Francisco”, explica Humberto Barbosa, meteorologista e coordenador do Lapis.
Essa dinâmica intensa de secas-relâmpago contribuiu para a redução da vazão de um dos rios mais importantes do Brasil, cuja bacia, com 2,7 mil km, interliga mais de 500 municípios de Minas Gerais a Alagoas. O impacto já foi sentido com força durante a seca de 2011 a 2017, quando a nascente do rio na Serra da Canastra, em Minas Gerais, secou. Nesse período, o lago de Sobradinho, que é o maior reservatório artificial da América Latina, chegou ao volume morto.
Analisando dados de vazão, precipitação e temperatura ao longo das últimas três décadas, os pesquisadores identificaram cinco grandes eventos de secas-relâmpago, sendo o mais grave entre 2012 e 2013, quando o fenômeno durou 21 meses. Na parte norte da bacia, esses eventos são mais frequentes e longos; no sul, eles são menos recorrentes, mas intensos.
Outro agravante é a degradação ambiental na região. O estudo destaca que a perda de 15% da vegetação nativa nos últimos anos aumenta ainda mais a vulnerabilidade da bacia. “A vegetação reduzida e o solo exposto aceleram a perda de umidade, alimentando um ciclo de seca e desertificação que impacta até a formação de nuvens de chuva”, explica Barbosa.
Para monitorar e entender melhor esses fenômenos, a equipe desenvolveu uma metodologia inovadora com o Índice Padronizado de Evapotranspiração da Precipitação Antecedente (Sapei), que analisa tanto a precipitação quanto a evapotranspiração. Com dados da Agência Nacional de Águas (ANA) e do sistema EumetCast de satélites, o estudo conseguiu detectar o impacto direto das secas-relâmpago na vazão do rio.
Os pesquisadores alertam que, se nada for feito para conter essa degradação, o São Francisco deve continuar encolhendo. O risco de novas secas prolongadas se estende, agora, para o médio e alto São Francisco, regiões com grande dependência da água do rio. “Deixar esses eventos sem resposta significa aceitar o risco de que o rio continue a secar e comprometer o futuro de comunidades que dependem da sua água”, conclui Humberto Barbosa, chamando atenção para a urgência de ações de mitigação e preservação na bacia.
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