terça-feira, 19 de setembro de 2017

Transformações ao encontrar uma criança trabalhando em sinaleiras

Poderia trazer aqui minhas impressões sobre cada vez que me deparo com uma criança trabalhando numa sinaleira de Salvador, invariavelmente com aspecto de tristeza e pobreza. Mas prefiro trazer uma reflexão de Chico Xavier e uma descrição extremamente sensível do escritor Rubem Alves. 

Chico Xavier certa vez disse que diante de uma criança batendo em seu vidro do carro há duas alternativas: pensar que tudo está perdido ou pensar que há muito o que fazer.

Rubem Alves diz "...eu vejo uma criança vendendo balas um semáforo. Ela me pede que eu compre um pacotinho das suas balas. Eu e a criança - dois corpos separados e distintos. Mas, ao olhar para ela, estremeço: algo em mim me faz imaginar aquilo que ela está sentindo. E então, por uma magia inexplicável, esse sentimento imaginado se aloja junto dos meus próprios sentimentos. Na verdade, desaloja meus sentimentos, pois eu vinha, no meu carro, com sentimentos leves e alegres, e agora esse novo sentimento se coloca no lugar deles. O que sinto não são meus sentimentos. Foram-se a leveza e a alegria que me faziam cantar. Agora, são os sentimentos daquele menino que estão dentro de mim. Meu corpo sofre uma transformação: ele agora ligado a um outro corpo que passa ser parte dele mesmo. Isso não acontece nem por decisão racional, nem por convicção religiosa, nem por um mandamento ético. É o jeito natural de ser do meu próprio corpo, movido pela solidariedade. Acho que esse é o sentido do dito de Jesus de que temos de amar o próximo como amamos a nós mesmos. A solidariedade é a forma visível do amor. Pela magia do sentimento de solidariedade, meu corpo passa a ser morado do outro. É assim que acontece a bondade."

Abrir a carteira e estender uma cédula ou moeda ao pequeno brasileiro que está a perambular entre carros é se entregar à solidariedade imediata e aparentemente libertadora. 

Porém estaremos alimentando essa modalidade de exploração do trabalho infantil. Existem muitas outras a serem enfrentadas: trabalho infantil nos esportes, nas atividades artísticas, domésticas, rurais, tráfico de entorpecentes e exploração sexual. A infância pede passagem, independentemente da classe social.


Antonio Ferreira Inocencio Neto
Auditor-Fiscal do Trabalho 

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