quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Sobre animais e trogloditas

Foto: Estadão Conteúdo
É difícil encontrar quem não tenha sido agredido verbalmente nas últimas semanas após manifestar a sua preferência política. 

Há histórias de todos os tipos: de alunos constrangidos pela escola em razão da posição dos pais a trabalhadores que tomaram broncas dos chefes por simplesmente manifestar uma opinião distinta à deles – os casos de assédio moral em outubro possivelmente dispararam por causa da eleição. 

Isso sem contar as chuvas de comentários raivosos nas redes sociais e as ofensas pessoais personalidades que, após defenderem Dilma Rousseff ou Aécio Neves, ouviram acusações relacionadas ao seu caráter, no melhor dos casos, ou sofreram ameaças de agressão física, no pior.
Em sua página de Facebook, meu amigo Vitor Teixeira, um dos jovens cartunistas mais talentosos do País, relatou um episódio que, a meu ver, melhor ilustra a beligerância do atual momento político do País. Um momento em que não basta votar em A e não votar em B: é preciso destruir o B, quem vota no B, e quem pensou em voz alta uma opinião divergente de A. A eleição, momento único para o debate de ideias, tem tirado do armário o que temos de pior: a intolerância, o preconceito, a demofobia, a arrogância. É como um outro amigo define: nos tempos atuais, os animais se humanizaram e os humanos se bestializaram.
Em tempo: o episódio que reproduzo abaixo não seria menos lamentável se o adesivo fosse de qualquer candidato tucano. Ao relato:
“Nesta semana a síndica do meu prédio pregou o seguinte comunicado no elevador: ‘é proibido deixar ração e água para os gatos que passeiam pela garagem do condomínio’. Dias depois, três mensagens de repúdio a esse comunicado foram escritas por moradores e anexadas ao documento da síndica: os condôminos se indignaram com a falta de compaixão com os bichanos. Resolvi me juntar aos defensores dos gatinhos e contribuí com um desenho, que também anexei no mural de recados do elevador.
Minutos depois, toca a campainha do meu apartamento. Abro a porta, e me deparo com uma ofegante síndica (que inclusive é a dona do edifício), com o meu rabisco subversivo na mão. Nele, a retratei fugindo de um gatinho, que berrava: “vai ter ração sim!”. Não me recordo da ordem da discussão, mas aí vai algumas pérolas que tive que escutar daquele ser neurastênico:
- QUEM VOCÊ PENSA QUE É?
- ISSO É FALTA DO QUE FAZER, VAI TRABALHAR!
- SE QUISER COLOCAR AVISOS NO ELEVADOR, COMPRE SEU PRÓPRIO PRÉDIO!
- MEU PAI TRABALHOU MUITO PARA ME DAR O QUE TENHO!
- VOCÊ VAI TER QUE SE VER COM A PROPRIETÁRIA DO SEU APARTAMENTO!
- SÓ PODIA SER ELEITOR DA DILMA MESMO!

Quando ela berrou a última frase, percebi que tinha arrancado um adesivo da Dilma da minha porta, que estava amassado na outra mão. Tentei argumentar, disse que aquilo era apenas um desenho, uma brincadeira, e uma forma de me comunicar com os outros inquilinos, afinal não temos reuniões de condomínio. Disse que ela não tinha direito de surtar com moradores daquele jeito, nem de arrancar coisas da minha porta. Não deu muito certo, ela se enfiou no elevador esbravejando e me ameaçando.
Acredito que pela minha aparência e condição social, nunca fui ofendido dessa maneira, nem nunca fui alvo de um ódio de classe tão brutal. Me impressionou também como a indignação aparentemente nada tinha a ver com a ilustração em si, afinal o conteúdo era até simpático. Penso que o ódio foi motivado pela minha atitude de contrariar uma ordem, expressa pelo comunicado anti-gatos, somado ao adesivo colado na minha porta, o que a motivou a usar sua arma fatal: seu status e sua propriedade.
Não era eu quem colocava a ração, mas hoje mesmo vou comprar um estoque de Whiskas Sachê.”
Do Yahoo - Matheus Pichonelli

Um comentário:

  1. Cival Anjos o comteudo do blog esta sendo o melhor da cidade parabens

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