Rua das Viúvas, em Santo Estevão, no interior da Bahia | Foto: Luciana Pimentel
À primeira vista, a Rua Coronel João de Deus, em Santo Estevão, cidade que fica a cerca de 170 km de Salvador, parece uma via comum, com casas e estabelecimentos comerciais. Porém, há mais de três décadas o local é conhecido como a Rua das Viúvas, e coleciona histórias de mulheres que perderam seus maridos – e de homens que, com medo de morrer, se recusam a morar na região.
Segundo a professora Luciana Pimentel, a rua ficou conhecida dessa forma por causa da devoção ao padroeiro das viúvas – e por abrigar muitas delas.
Na véspera e no dia de São Pedro, celebrado em 29 de junho, fiéis costumam acender fogueiras para homenageá-lo, conforme manda a tradição das festas juninas.
“Naquela época, só os viúvos costumavam acender a fogueira de São Pedro e os moradores da cidade perceberam que a rua era a que mais tinha fogueiras na frente das casas. Daí surgiu a fama e o apelido”, contou.
Eram tantas fogueiras, que a via virou ponto de concentração dos festejos de São Pedro na cidade. Luciana e outros moradores decidiram “profissionalizar” o evento, com decoração especial e contratação de bandas, sobretudo de forró.
A programação era chamada de “Arraiá do Coroné”, mas esse nome não se popularizou e a festa ficou conhecida mesmo como “Arraiá das Viúvas”. O evento movimentava toda a cidade, que não tinha outros festejos de São Pedro.
Com o tempo, os organizadores se mudaram para outras cidades, muitas viúvas morreram, e a festa perdeu força, não sendo mais realizada há anos.
Nenhum morador sabe detalhar quantas viúvas moraram na rua nos últimos 30 anos. Contudo, em 2007, em uma reportagem feita pela TV Subaé, afiliada da TV Bahia em Feira de Santana, havia 13 moradoras que nasceram, cresceram, casaram e viuvaram na “Rua das Viúvas”.
Preparativos para a festa em 2007, em Santo Estevão | Foto: Reprodução TV Subaé
Quase 20 anos depois, as entrevistadas na época faleceram e as casas foram vendidas ou passadas para herdeiros. Ainda assim, os moradores afirmam que as lendas seguem vivas e a fama continua. Ninguém na cidade conhece a rua como “Coronel João de Deus”.
Também permanece o medo, principalmente entre homens, de viverem no local. Os mais antigos moradores contam a história de um baiano oriundo da região sul que alugou uma casa no local. Todavia, ao saber que os maridos costumavam morrer antes das mulheres, desfez o acordo e entregou o imóvel ao proprietário.
Esse tipo de situação ainda se repete e se na casa moram duas viúvas, mãe e filha ou duas irmãs, a moradia é considerada praticamente amaldiçoada. “Aí é melhor transformar em ponto de loja, porque ninguém vai querer morar nessa residência”, afirma a comerciante Margareth de Jesus.
Luciana Pimentel conta que o pai dela ignorava a tradição e era o único não viúvo que costumava acender fogueira na frente de casa. Morador da rua, ele acreditava ter uma excelente justificativa para ser um dos “sobreviventes”.
“Ele dizia que quem morava nas esquinas era blindado. E realmente, quem morou nas esquinas não ficou viúvo tão cedo”, brincou a professora, que perdeu primeiro a mãe, e depois o pai.
Tem morador sessentão que namora muito, mas escapa de casamento. Isso aconteceu, por exemplo, na família de Margareth, que também teve exceção à regra, assim como Luciana. Ela recorda que um irmão chegou a ficar noivo de uma vizinha, mas “caiu fora” quando ela passou a insistir em casar.
“Ele dizia que não era doido para largar a mulher para os outros, tinha medo de morrer. Acabou que ele se foi antes dela. Parece que o jogo virou”, comentou Margareth, de modo descontraído.
Do Portal NS/Por g1 BA